(Fernando Faria, Paulo Ferreira, Luís Matias e Rui Martins representaram o MDP no Parlamento)

“Ser deputado é ser deputado, não é ser deputado em part-time. Porque, para isso, existiam, ou existem, as câmaras dos lordes, nós somos um Parlamento democrático”
Jaime Gama, Presidente da Assembleia da República em 2009

Foi desta forma que hoje, 28 de Abril de 2016, o MDP: Movimento pela Democratização dos Partidos começou a sua intervenção na Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a propósito da sua petição nº 87/XIII/1ª (1), estando como relator o deputado Fernando Anastácio. Esta é, aliás, a primeira nota que queremos registar: sendo os temas da audição tão importantes e relevantes para o momento actual , nomeadamente, a incompatibilidade moral e política entre as funções de deputada e a actividade numa empresa de gestão de dívida, bem como o pedido urgente, feito pelo MDP e pelos subscritores da petição, para uma revisão que reforce o regime das incompatibilidades, estranhamos que nenhum outro partido tivesse acompanhando as intervenções do MDP. Com efeito, apenas o BE manteve um assessor na sala (durante alguns minutos). Nem PCP, nem PEV, nem PSD, nem CDS estiveram presentes (André Silva, o único deputado do PAN não conseguiu estar a tempo na sala). Mais uma vez, os deputados da nação mostraram não querer ouvir os cidadãos nem sequer numa das raras formas que estes têm de aceder aos seus representantes: o instituto da “Petição Pública”.

A representação do MDP esteve a cargo de Rui Martins, Luís Matias, Paulo Ferreira e Fernando Faria. O MDP começou por registar a sua estranheza quanto ao facto de os deputados raramente lerem o e-mail que os cidadãos lhes enviam (com alegação de que “recebem muito spam” (apesar de terem direito a um assessor cada um, que poderia fazer, também, essa filtragem). Sublinhámos (seguindo o texto da petição) que “existe uma incompatibilidade moral e política entre o exercício do cargo de deputado e a actividade numa empresa de gestão de dívida”  a que acresce a “imoralidade de se ser deputado em “part-time”, dando um especial foco à revisão urgente do “Regime de Incompatibilidades da Assembleia por forma a não permitir mais casos semelhantes” e à necessidade (que este caso veio trazer à superfície) de se “legislar no sentido de não permitir que ex-governantes transitem directamente para empresas que exercem actividade no mesmo sector onde tiveram responsabilidades de Estado”.

O MDP – sendo um movimento formado por militantes e ex-militantes de vários partidos, focado na reforma interna destes – aproveitou ainda para manifestar no Parlamento a sua perplexidade relativamente ao facto de em 20 mensagens remetidas a 20 partidos, contendo a nossa “Carta aos Partidos” (2), apenas 14 a terem lido desde o dia 14 de Março até à presente data, deixando a sugestão de uma revisão à “lei dos Partidos” por forma a aferir da real existência de todos os partidos inscritos no Tribunal Constitucional. Deixámos também a sugestão de que os partidos deveriam ser considerados como “associações públicas” passando assim a estarem sujeitos ao “Código do Procedimento Administrativo” no que este diploma legal prescreve quanto a prazos máximos para respostas a questões dos cidadãos.

A partir do caso Arrow/Maria Luís Albuquerque sublinhámos a necessidade de corrigir a situação que permite que 47 dos 230 deputados do Parlamento acumulem estas funções com outras funções remuneradas fora da Assembleia, com todos os riscos de perda de confiança e credibilidade da função de representação junto dos cidadãos e para a própria qualidade do exercício parlamentar. Em particular, estranhámos que os líderes parlamentares do PSD e do CDS acumulem essas funções com outras remuneradas fora de São Bento; isto tendo em conta muito especialmente a forma como votam os nossos deputados: em grupo e, por regra, sob disciplina partidária. A propósito das remunerações acumuladas fora do Parlamento, sugerimos também ao deputado relator a indicação pública e em portal do Parlamento de que as funções remuneradas no capítulo “Cargos Sociais” passem também a inscrever as quantias auferidas, assim como já acontece hoje no capítulo “Actividades”; na prática a nossa proposta permite pôr fim a uma escapatória de opacidade que alguns deputados usam para não revelarem os seus rendimentos extra-parlamentares.

Deixámos também como sugestão um dos pontos principais das propostas MDP: a forma como se escolhem (em Aparelho e Directório partidário) os nossos deputados: Se a ex-ministra – responsável por casos tão graves e mediáticos como o das swaps, da sobretaxa, das medidas de austeridade permanentes em Bruxelas e temporárias em Lisboa, da garantia (falhada) de que os cofres públicos não seriam impactados pelo Novo Banco e o adiamento da solução para o Banif – tivesse ido a votos em eleições primárias abertas a simpatizantes e em listas abertas no distrito onde foi eleita este caso Arrow/Maria Luís Albuquerque teria acontecido? Provavelmente não, porque os cidadãos não teriam votado na deputada… Deixámos contudo claro que não temos nenhuma questão pessoal com a ex-ministra nem colocamos em causa as suas competências, mas o seu caso ilustra bem a posição do MDP quando à necessidade da exclusividade no exercício da função de deputado. Seja como for,  também não questionamos a legalidade das acções da ex-ministra, mas é indiscutível que, nas funções de deputada terá acesso a informação privilegiada que, depois, poderá entregar ao seu empregador estrangeiro para seu benefício. E que, mesmo que o não faça, isso vai erodir a confiança dos cidadãos não somente na deputada mas em toda a classe política – algo que, a bem da democracia, não é certamente desejável (“À mulher de César não lhe basta ser honesta, tem que parecer honesta”). Registámos ainda, em audição, que apesar de toda a celeuma pública – de que esta petição foi apenas uma das expressões – não só o PSD optou por não convidar a deputada a abdicar do mandato como a transferiu da última fila do Parlamento para a primeira, onde assumiu funções de especial destaque no debate parlamentar de hoje: o que confirma a nossa leitura de que os partidos modernos estão fechados em si mesmos e surdos às posições e opiniões dos cidadãos.

Comentando a proposta do Bloco de Esquerda sobre a revisão das incompatibilidades dos deputados (com a qual, na generalidade, concordamos) deixámos nota de que julgamos exagerado o “período de nojo” de seis anos para os impedimentos dos titulares de cargos públicos quanto a assumirem funções em empresas de áreas por eles previamente tuteladas. Deixámos também a nossa posição de que, a prazo, o regime deve caminhar para um total impedimento da acumulação de funções remuneradas fora do Parlamento para todos os eleitos parlamentares. De seguida comentámos o projecto-lei do Partido Socialista sobre o mesmo tema (e lamentámos o facto de ter sido apresentada e retirada a respectiva proposta quando já estava agendada para ser debatida), nomeadamente, o recuo na  imposição de os deputados declararem a listagem das “entidades pagadoras de avenças públicas ou privadas”, já que esta é uma das formas mais comuns de corrupção da democracia interna dos partidos (a par do pagamento de quotas por terceiros).

Na fase de conclusão das nossas intervenções deixámos algumas das várias dezenas de propostas de reforma dos partidos (3) que se referem muito em particular às condições em que os deputados são escolhidos para integrarem as listas distritais:

“Abrir estatutariamente a possibilidade de apresentar várias listas aos órgãos federativos – estimulando a competição e a democracia internas – e sujeitá-las a eleições”

“Nas listas de deputados à Assembleia da República ou às Assembleias Municipais a levar a Eleições Primárias inscrever sempre a área ou áreas de especialidade dos candidatos para permitir um melhor julgamento por parte do eleitor sobre os seus méritos”

“Definir um limite máximo de mandatos para os deputados na Assembleia da República (acompanhando-o de mecanismos de compensação para os que regressam a carreiras profissionais no sector privado onde o emprego não é tão protegido como no Estado ou em algumas profissões liberais)”

“Aumentar a representatividade dos deputados, impedindo que sejam colocados em lugares elegíveis candidatos que não têm ligações ao distrito em que concorrem. Todos os candidatos terão que ter uma residência, serem estudante ou trabalhadores nos distritos a que concorrem”

“Por forma a promover a qualidade da democracia interna nos partidos, através de uma sã concorrência e a estimular o surgimento de novos atores político-partidários há que estabelecer a possibilidade de eleição de deputados para a Assembleia da República e para o Parlamento Europeu em listas independentes, não partidárias e uninominais” (mais concorrência > melhor desempenho)

Por outro lado, por forma a melhorar a qualidade do exercício das funções dos nossos deputados propusemos que:

Se criem gabinetes especializados de assessores parlamentares na Assembleia da República e nas Assembleias Municipais, com vários especialistas que possam auxiliar os deputados nos temas mais técnicos”

“Seja revisto – aumentando a exigência – o estatuto dos deputados,reforçando as incompatibilidades com escritórios de advogados e empresas cuja atividade pertença a áreas que estejam, ou tenham estado, sob a tutela direta desses eleitos

“Seja Garantida, nas listas eleitorais ao Parlamento, uma adequada representação proporcional para seniores (cidadãos com mais de 65 anos). Esta alteração irá promover a participação nos partidos pelo aumento da equidade nos critérios de representação parlamentar”

“Seja Observado com acuidade o enfraquecimento da relação eleitos-eleitores que passa pela desresponsabilização dos deputados perante os seus eleitores aquando das substituições temporárias ou definitivas dos eleitos

“Se diga Não aos “deputados-funcionários”: os deputados eleitos para o Parlamento não devem ser funcionários do partidos. Um funcionário não tem autonomia financeira nem liberdade de espírito para votar consoante a sua consciência ou segundo a inspiração dos eleitores”

A presença do MDP terminou com a indicação por parte do deputado relator de que existe uma “comissão eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas” (a qual, curiosamente, reúne à porta fechada) que vai reunir várias propostas de vários partidos, consultar especialistas e representantes da Sociedade Civil procurando elaborar propostas concretas durante os próximos seis meses por forma a produzir nova legislação a aprovar em Plenário ainda antes do final deste ano. As propostas e posições do MDP (inscritas na petição e nos nossos textos fundadores) poderão ser um contributo também a estes trabalhos, segundo declarou o deputado relator Fernando Anastácio.

(1) http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT80319 
(2) https://movimentodemocratizacaopartidos.wordpress.com/2016/03/14/carta-aos-partidos-politicos-portugueses/
(3) https://movimentodemocratizacaopartidos.wordpress.com/2016/04/03/propostas-mdp-aos-partidos-politicos-em-actualizacao/

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CITAÇÂO da SEMANA

“A essência da democracia participativa é a participação significativa na tomada de decisões e na formulação de políticas.”
Carole Pateman
“Participação e Teoria Democrática” (1970)