










Não é possível diminuir o sucesso da operação eleitoral do passado domingo dia 9 de junho com o uso dos “Cadernos Eleitorais Desmaterializados” (CED): a aplicação era simples e intuitiva, não houve qualquer incidente de cibersegurança, as eleições europeias foram adequadamente escolhidas pela sua (infeliz) menor participação e complexidade e os testes (bem planeados) do sábado anterior produziram uma reacção que permitiu ajustar a capacidade do sistema às necessidades determinadas no teste.
O problema que tornou o sistema muito lento ou indisponível entre as 1100 e as 1200 foi desnecessário e a CNE deveria ter publicado um relatório do que aconteceu e do que foi feito para impedir recorrências nos próximos actos eleitorais. A CNE começou por dizer que tinham existido “problemas num servidor do Porto entre as 1130 e as 1200”: A lentidão crescente começou a instalar-se a partir das 1100 até parar quase totalmente pelas 1130 obrigando a fazer logoff-logon nos computadores para conseguir garantir uma operação mínima. O contacto ao Call Center, via o número do Plano de Contingência funcionou com a rapidez que não teve nos testes de 1 de junho: como puderam confirmar alguns membros da MDP nas mesas de voto.
Mais tarde, a informação de que o “problema no servidor do Porto” se devera, não a carga subdimensionada (como corria inicialmente entre as mesas) mas a “uma atualização ao servidor” começou a circular até, finalmente, ser “oficial”: “A situação que gerou dificuldades entre as 11h30 e as 12h00 teve a ver com problemas de natureza técnica com um dos servidores, mas a informação que temos é que já está tudo normalizado”, disse ao SAPO24, Fernando Anastácio, porta-voz da CNE.
E aqui surge a primeira observação: segundo a CNE “o processo eleitoral, explicou, é suportado por dois servidores, um instalado no Porto e outro em Lisboa, sendo que cada um tem capacidade, só por si, de dar suporte integral.”: Todo o sistema, portanto, depende de apenas dois servidores, ainda que redundantes entre si, parece ser um ponto de falha, especialmente porque o processo de transferência dos clientes para o segundo nó parece implicar o restart dos equipamentos ou da aplicação e levar pelo menos uma hora. Isto levou à paragem de praticamente todas as mesas em com várias mesas a ficarem no vermelho no Semáforo eleitoral (a embaixada de Bruxelas esteve assim praticamente todo o dia).
Outras reflexões sobre o processo de desmaterialização dos cadernos eleitorais e as eleições de 9 de Junho:
1. Houve secções de voto que abriram muito tarde, em Lisboa, porque faltaram demasiados membros da mesa. Os membros de mesa têm que estar no local de voto, agora e devido ao carregamento dos votos antecipados às 06:00 e podem sair das mesas entre as 20:00 e as 22:00: 16 horas (menos cerca de uma hora de almoço): a compensação de um dia de trabalho, neste caso, não se aplicou porque no dia seguinte era o feriado de 10 de junho. Por outro lado, a compensação por hora é absurdamente baixa rondando os 4 euros por hora: muito inferior à remuneração de limpezas domésticas, ao salário mínimo e à maioria das actividades sazonais. A inexistência do dia de compensação, esta baixa remuneração, faz com que seja cada vez mais difícil compor as mesas eleitorais. Se o problema não for atalhado em breve: é o próprio sistema democrático que fica em risco. No Brasil, por exemplo, os voluntários têm direito a dois dias de folga no trabalho para cada dia trabalhado nas eleições não consecutivos, mas não recebem uma remuneração monetária directa e há incentivos, como vale-refeição e transporte. Em Portugal, depende das Juntas de Freguesia mas, em regra, é apenas cedida uma garrafa de água. Nos EUA, a remuneração dos membros das mesas de voto varia de estado para estado. Em alguns, os voluntários recebem uma pequena quantia, como US$ 100 a US$ 200 por dia. No Reino Unido, os membros das mesas de voto recebem uma remuneração que pode variar de £100 a £250 por dia de trabalho, dependendo do cargo e da localidade.
2. Quanto ao processo eleitoral desmaterializado: algumas notas:
a. A procura por número de identidade é mais rápida do que a leitura do cartão de cidadão embora esta mostre ao escrutinador a fotografia do eleitor.
b. As mesas (secções) mais perto da porta de entrada do edifício tiveram o dobro das mesas a meio dos corredores e o triplo das mesas mais afastadas da entrada: em futuras eleições devem existir responsáveis autárquicos que encaminhem os eleitores por todas as mesas para evitar filas e simplificar o processo de contagem dos votos. Filas únicas, com distribuição uniforme de eleitores (como sucedeu durante a COVID-19) deverá ser assim a norma.
c. A descarga dos votos antecipados deve ser feita – também com Cadernos Eleitorais Desmaterializados – logo no dia dessas votações: assim se liberta carga do sistema no dia das eleições (que não pode falhar), se testa a carga que o sistema consegue suportar e, sobretudo, se permite o início dos trabalhos das mesas mais perto das 0800 e se reduz, distribuindo, o tempo gasto a contar esses votos. De recordar que, segundo o processo em curso, embora a preparação das mesas comece às 0600, apenas se permite que os votos antecipados sejam carregados a partir das 0700, o que representa um absurdo e leva a perda de tempo porque leva cerca de 20 minutos a preparar uma mesa para a sua abertura aos eleitores.
d. A password dos membros de mesa é composta por apenas 6 dígitos: não é complexa nem suporta autenticação por múltiplo factor como é prática actual da indústria. Apesar dos problemas entre as 11 e as 12: o login era feito de forma rápida, mesmo quando havia troca entre os vários membros de mesa ao longo do dia. O sistema, no geral, também funcionou de forma rápida e muito fluida mas em alguns casos quando se admitia o segundo votante, o primeiro desaparecia até que se saísse e tornasse a entrar na sessão: isto aconteceu, sobretudo, na parte da manhã e a anomalia pode estar relacionada com o problema ocorrido.
e. A maioria dos votos em mobilidade, em algumas freguesias de Lisboa, parecem relacionados com estudantes das universidades da capital: os mais idosos preferem votar nas suas secções habituais e os eleitores entre os 30 e os 50 anos votaram, frequentemente, nas freguesias contíguas e, logo, fora do seu local habitual de voto. Por exemplo, no Areeiro, metade dos eleitores vieram de outros locais e desta metade, das freguesias vizinhas de Alvalade, Arroios, Avenidas Novas e Penha de França.
Em conclusão, a operação eleitoral do passado domingo, dia 9 de junho, revelou-se um marco importante na adopção dos “Cadernos Eleitorais Desmaterializados” (CED), demonstrando a viabilidade e eficácia desta tecnologia na gestão dos processos eleitorais. Apesar do sucesso geral, evidenciado pela simplicidade da aplicação e ausência de incidentes de cibersegurança, alguns problemas operacionais significativos foram identificados, especialmente no que se refere à lentidão e indisponibilidade do sistema entre as 11:00 e as 12:00. A CNE precisa de abordar estas falhas com transparência, fornecendo relatórios detalhados para evitar recorrências futuras.
Além disso, questões logísticas como a falta de membros nas mesas de voto e a baixa remuneração são factores críticos que podem comprometer o funcionamento eficiente das eleições. Comparações com práticas de outros países sugerem que a introdução de incentivos adequados e melhorias nas condições de trabalho para os membros das mesas podem ser soluções eficazes.
A experiência com o processo de desmaterialização também revelou áreas de melhoria, como a necessidade de um encaminhamento mais eficiente dos eleitores, a antecipação da descarga dos votos antecipados e a implementação de medidas de segurança mais robustas para a autenticação dos membros das mesas. Essas reflexões são essenciais para aprimorar futuras eleições, garantindo não apenas a eficiência tecnológica, mas também a integridade e a confiança no sistema eleitoral.
Enviada à CNE e a todas as câmaras municipais.

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