
Em 2016 o MDP realizou o estudo “Incompatibilidades dos Deputados (“Os Acumuladores”)” https://movimentodemocraciaparticipativa.org/2016/05/15/estudo-do-obdi-incompatibilidades-dos-deputados-os-acumuladores/ onde se podia ler, todo o nível de acumulação de funções privadas com deputacionais de cada deputado e o risco de cada deputado que então se encontrava em funções.
Aqui encontrava-se a dado ponto uma análise para, por exemplo:
“Luís Montenegro PSD
Nível potencial de colisão de interesses (0 a 3): 3
Quantidade de actividades remuneradas acumuladas: 2
Contratos na http://www.base.gov.pt: NÃO
O deputado social-democrata é um dos vários advogados que junta uma outra actividade remunerada (desde 2000) à sua função de deputado, com todas as potenciais áreas de conflito que isso cria entre interesses públicos e os interesses dos clientes e empresas que representa. Além da advocacia, Luís Montenegro é ainda líder de bancada do PSD e consegue ainda acumular estas actividades com a de Presidente da Assembleia Geral da Radio Popular – Eletrodomésticos, SA (que se dedica à actividade de “Comércio de Eletrodomésticos” desde meados de 2015). Mas a versatilidade deste deputado não fica por aqui: continua a ser sócio (50%) e a exercer advocacia no Porto na SP&M, Sociedade de Advogados, RL.(https://spm-advogados.com), que tem como uma das quatro áreas principais de acção a “contratação pública”: “A contratação pública é uma área essencial na vida das entidades públicas e privadas. Se, por um lado, as entidades públicas estão obrigadas às regras da contratação constantes do Código dos Contratos Públicos, por outro, as entidades privadas, envolvidas em tais procedimentos, sentem cada vez mais a necessidade de um aconselhamento de proximidade. Nesta medida, é patente a necessidade de acompanhamento das entidades públicas, nomeadamente no auxílio para a elaboração de propostas, de cadernos de encargos, de contratos e das restantes comunicações, relativos à adjudicação de contratos de aquisição de bens e fornecimento de serviços”. Os pontos potenciais de conflito expostos pelo registo de actividades deste deputado são numerosos, oferecendo-se como um dos casos mais intensos em actividade actualmente no nosso Parlamento.”
Hoje, em 2025, teria sido impossível realizar um estudo semelhante.
Com efeito, qualquer cidadão continua a poder – teoricamente – aceder ao mesmo registo sobre a “Declaração de Interesses” de cada deputado, p.ex. Luís Montenegro em
https://entidadetransparencia.pt/titularidades/VTJGc2RHVmtYMStUcUNITkgxeUFCUXNkajAvSkU3R0M1MHBvV0NncHlvYz0=/declaracoes/VTJGc2RHVmtYMThHeU1XemlEcjBTckg3ajd0ZUY3SCsxZ2c5a08xNWRQdz0=
mas onde, em 2016, surgia esta informação no link da página de cada deputado no site do Parlamento, mas em 2025, o mesmo link “Registo de Interesses” remete sempre para o mesmo texto (em todos os deputados):
“Alberto Jorge Torres da Silva Fonseca
Registo de interesses
A consulta do registo de interesses é realizada através da Plataforma Eletrónica da Entidade para a Transparência (área “Acesso público”), onde se deve preencher os campos com a indicação do órgão e/ou cargo e nome completo do titular, escolher a declaração pretendida e aceder ao campo 4, que corresponde ao registo de interesses do Deputado.
O registo de interesses constitui um dos elementos da Declaração Única de Rendimentos, Património, Interesses, Incompatibilidades e Impedimentos, cujo preenchimento consubstancia uma obrigação dos titulares de cargos políticos, altos cargos públicos e equiparados, entre os quais os Deputados à Assembleia da República. O preenchimento desta declaração tem como objetivos avaliar as atividades dos seus titulares e permitir identificar eventuais incompatibilidades e impedimentos entre as atividades declaradas e o exercício do mandato.
Sempre que se verifiquem alterações que obriguem a uma nova inscrição ou a cessação de funções, deve ser apresentada uma nova declaração ou uma declaração de cessação, nos prazos de 30 ou de 60 dias, respetivamente.
Mais informações no Estatuto e no Regulamento n.º 258/2024, de 6 de março, da Entidade para a Transparência.”
Com efeito, tudo se opacizou: desde 2024 que é possível aos deputados “titulares”:
“Com fundamento em motivo atendível, designadamente interesses de terceiros ou salvaguarda da reserva da vida privada, o titular pode opor-se ao acesso parcelar ou integral aos elementos constantes da declaração única”.
Por outro lado, o artigo 14 do https://files.diariodarepublica.pt/2s/2024/03/047000000/0012600137.pdf indica que
“O acesso público aos elementos da declaração única a ele sujeitos é efetuado livremente, sem necessidade de qualquer autenticação, através da Plataforma Eletrónica da Entidade para a Transparência, na área designada “Acesso público”.”
Cada cidadão continua a poder fazer um “pedido de consulta” (por exemplo à declaração do Primeiro Ministro:
“Artigo 17.º
Pedido de consulta
1 — O pedido de consulta por terceiros à informação constante da declaração única é efetuado mediante formulário disponibilizado através da Plataforma Eletrónica da Entidade para a Transparência, a partir da área de “Acesso público”.
2 — O formulário a que se refere o número anterior contém as seguintes menções:
a) Nome completo do requerente;
b) Número de identificação fiscal;
c) Endereço de correio eletrónico;
d) Fundamentação do pedido”
Hoje em dia, o acesso é “público” mas se antes este era possível através de um simples link no site do Parlamento hoje o cidadão que quiser consultar o “registo de interesses” dos deputados que o representam tem que se identificar se forma muito exaustiva e totalmente desnecessária (o que viola o RGPD e já mereceu uma queixa para a CNPD): Nome Completo, Número de identificação fiscal (NIF) ou equivalente, Telemóvel, e Correio eletrónico e um extraordinário (comparando com 2016) “Fundamentação do requerimento” ao qual que podem juntar “Lista de documentos justificativos”.
Por essa razão, foi feita uma participação à CNPD a 02.05.2025 com base no artigo 5.º, n.º 1, alínea c) do RGPD estabelece o princípio da minimização dos dados, segundo o qual: “Os dados pessoais devem ser […] adequados, pertinentes e limitados ao que é necessário relativamente às finalidades para as quais são tratados.” acreditando que pode haver uma violação deste princípio.
Se apesar deste pedido exagerado de dados o cidadão insistir o seu direito juridicamente consagrado de consultar a declaração de interesses dos seus deputados surge na página da Entidade para a Transparência a ameaça: “A sua identificação constitui condição legalmente necessária para a consulta da informação a que pretende aceder. O uso indevido dessa informação pode ser punido, nos termos da lei. “
Ora, a obrigação de identificação para aceder ao registo de interesses não está claramente prevista de forma taxativa na Lei n.º 52/2019, que criou a Entidade para a Transparência, nem no Regime do Exercício de Funções por Titulares de Cargos Públicos. É certo, contudo, que a Entidade pode estar a invocar genericamente: o Artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa – direito à informação administrativa, mas com possível sujeição a requisitos legais e a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA) – Lei n.º 26/2016, que permite à Administração Pública exigir identificação do requerente em certas situações, mas não exige justificações extensivas nem fundamentos detalhados para aceder a documentos públicos não confidenciais.
Portanto, dizer que a identificação completa é “legalmente necessária” é questionável. Pode ser uma interpretação restritiva ou defensiva da Entidade, e já foi contestada (a 02.05.2025 junto da CNPD pelo MDP (aguardamos resposta)
Por outro lado, a frase “Uso indevido […] pode ser punido”: é altamente questionável. “Punido” com base em que lei?
Podem estar a referir-se, de forma muito genérica e vaga mas num nítido tom de ameaça:
a) Código Penal – Abuso de dados pessoais ou devassa da vida privada: Se alguém usar dados do registo de interesses para ofender a honra, difamar ou ameaçar, pode ser responsabilizado criminalmente.
Artigo 192.º do Código Penal – Devassa da vida privada.
Artigo 153.º ou 180.º – Ameaça ou difamação.
b) RGPD – Uso abusivo de dados pessoais
Se os dados forem usados para finalidades ilícitas ou discriminatórias, também pode haver responsabilidade, especialmente se forem dados sensíveis.
c) Lei da Proteção de Dados Pessoais (Lei n.º 58/2019)
Aplicável em conjugação com o RGPD. Preveem coimas para entidades públicas ou privadas que tratem dados de forma indevida.
No entanto, a frase do site é demasiado genérica para cumprir os requisitos de informação do RGPD, que exige indicar com clareza a base legal do tratamento e as consequências de não fornecer os dados.
Assim sendo consideramos que o aviso sobre punição por uso indevido é vago e parece servir mais para dissuasão do que para cumprir uma exigência legal precisa.
Em consequência o https://movimentodemocraciaparticipativa.org enviou os seguintes pedidos de informação e queixas para a CNPD (entidade nacional que vela pelo cumprimento do RGPD) e para a própria Entidade para a Transparência os seguintes emails:
Email enviado à Entidade para a Transparência:
“Assunto: Pedido de esclarecimento sobre recolha de dados pessoais e aviso legal no acesso ao Registo de Interesses
Venho por este meio solicitar esclarecimentos relativamente ao processo de acesso ao Registo de Interesses dos titulares de cargos políticos, publicado no vosso site. Ao abrigo do artigo 15.º do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) e da Lei n.º 58/2019, gostaria de obter resposta às seguintes questões:
Qual a base legal específica que justifica a recolha obrigatória dos seguintes dados pessoais para efeitos de consulta do registo:
Nome completo
Número de identificação fiscal (NIF) ou equivalente
Número de telemóvel
Endereço de correio eletrónico
Com que fundamento legal se exige a apresentação de uma “fundamentação do requerimento” e a possibilidade de anexar “documentos justificativos” para aceder a informação que, presumivelmente, é pública por natureza?
Relativamente ao aviso no vosso site que afirma: “O uso indevido dessa informação pode ser punido, nos termos da lei”, solicito que indiquem qual ou quais os diplomas legais a que se referem e em que moldes se considera possível tal punição.
Agradeço a vossa atenção e aguardo resposta dentro do prazo legal previsto.”
Email enviado à CNPD:
“Assunto: Entidade para a Transparência: Queixa por recolha excessiva de dados pessoais no acesso ao Registo de Interesses dos titulares de cargos políticos
Venho, por este meio, apresentar uma participação contra a Entidade para a Transparência, entidade afeta ao Tribunal Constitucional, relativamente à recolha desproporcionada de dados pessoais no âmbito do processo de acesso ao Registo de Interesses dos titulares de cargos políticos.
1. Fundamento da participação
Através do seu sítio oficial, a referida entidade exige, como condição para consultar o Registo de Interesses, o fornecimento obrigatório dos seguintes dados pessoais:
Nome completo;
Número de identificação fiscal (NIF) ou equivalente;
Número de telemóvel;
Endereço de correio eletrónico;
“Fundamentação do requerimento” (texto livre);
Possibilidade de anexar “documentos justificativos”.
Ora, a referida recolha de dados:
Não está devidamente justificada quanto à sua necessidade ou proporcionalidade;
Contraria o princípio da minimização de dados consagrado no artigo 5.º, n.º 1, alínea c) do RGPD, segundo o qual os dados pessoais devem ser adequados, pertinentes e limitados ao que é necessário para as finalidades do tratamento;
É feita no âmbito de um pedido de acesso a documentos públicos, que, por sua natureza, visa garantir transparência e escrutínio democrático.
2. Falta de clareza e transparência
Além da recolha excessiva, o site refere que:
“A sua identificação constitui condição legalmente necessária para a consulta da informação a que pretende aceder. O uso indevido dessa informação pode ser punido, nos termos da lei.”
Contudo:
Não é indicada qualquer base legal concreta que justifique essa recolha de dados ou a obrigação de “fundamentação do requerimento”;
A ameaça de punição por “uso indevido” é vaga e carece de identificação das normas legais aplicáveis, violando o princípio da transparência previsto no artigo 5.º, n.º 1, alínea a) do RGPD.
3. Pedido à CNPD
Assim, venho solicitar à CNPD:
Que avalie a conformidade do procedimento da Entidade para a Transparência com o RGPD;
Que determine, se aplicável, a necessidade de alteração do modelo de recolha de dados, exigindo que sejam apenas solicitados os estritamente necessários e com base legal clara;
Que, se necessário, aplique sanções ou medidas corretivas, nos termos do artigo 58.º do RGPD.”

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