O TikTok anunciou ter assinado acordos para criar uma nova unidade nos EUA, evitando a proibição prevista pela lei norte-americana “divest-or-ban”. O fecho do negócio está apontado para 22 de janeiro de 2026 e envolve uma estrutura em que Oracle, Silver Lake e o fundo MGX ficam com uma fatia maioritária conjunta (cada um com 15%), mantendo a ByteDance uma participação minoritária.
A narrativa oficial é simples: “segurança nacional”, dados dos utilizadores norte-americanos sob tutela local, e uma cópia/controlo operacional da recomendação algorítmica para reduzir influência externa. Só que, do lado europeu, a pergunta relevante não é se isto protege Washington. É outra: este acordo protege a União Europeia ou cria um TikTok ainda mais alinhado com interesses políticos e geoestratégicos dos EUA (e do círculo de Trump), sem qualquer contrapeso europeu?
Há três riscos concretos que os media europeus podiam estar a colocar:
1. O algoritmo como arma política (não como “produto”)
Se o TikTok passa a ser governado por uma entidade desenhada para satisfazer exigências de “interesse nacional” dos EUA, a tentação óbvia é transformar o feed num instrumento de influência: sobretudo em ano(s) eleitorais. A Europa já viu sinais preocupantes de plataformas onde a dinâmica política do proprietário/gestão intertere na redação algorítmica. Aqui, a dúvida é legítima: quem garante que o controlo do algoritmo não fica, na prática, “partilhado” entre dois polos de poder: o regime de Pequim e a máquina política norte-americana próxima de Trump cada um puxando pelos seus interesses?
2. “Treinar com dados dos EUA” pode enviesar o mundo, não só os EUA
Notícias recentes referem que o sistema será “re-treinado” com dados norte-americanos como parte do pacote de segurança. Isro não é um detalhe técnico: se o motor de recomendação evolui com base em padrões culturais, políticos e comerciais dos EUA, a experiência europeia pode ficar ainda mais colonizada por dinâmicas MAGA, guerras culturais importadas e narrativas anti-UE: com impactos diretos em jovens e em processos eleitorais.
3. Transparência: O “acordo-quadro” EUA–China e o que fica fora do escrutínio público
Foi noticiado que em setembro de 2025 Washington e Pequim anunciaram um acordo-quadro para a transação. A pergunta que interessa aos europeus é fria e básica: há compromissos paralelos (não públicos) sobre tecnologia, moderação, dados, ou prioridades geopolíticas?
Este tema não é abstrato. Em 21 de maio de 2025, o Movimento pela Democracia Participativa (MDP) publicou um estudo empírico sobre a exposição política de jovens portugueses no TikTok durante o período eleitoral de 2025: dez perfis neutros, 500 vídeos analisados, e indícios de priorização e microsegmentação, incluindo forte predominância de conteúdos pró-CHEGA, inclusive em período legalmente sensível. (2TikTok e a Juventude: Exposição Política e o Perigo da Manipulação Algorítmica”: https://movimentodemocraciaparticipativa.org/2025/05/21/tiktok-e-a-juventude-exposicao-politica-e-o-perigo-da-manipulacao-algoritmica/)
Ora, se já era então legítimo exigir escrutínio quando o TikTok era “apenas” ByteDance, agora o escrutínio tem de duplicar: um TikTok “americanizado” por razões de segurança nacional dos EUA não é automaticamente um TikTok seguro para a democracia europeia.
A União Europeia tem instrumentos: mas tem de os usar: o DSA obriga plataformas muito grandes a mitigarem riscos sistémicos e dá à Comissão capacidade de exigir acesso e conformidade; e a Comissão tem tido processos e decisões envolvendo o TikTok (incluindo obrigações ligadas a transparência e compromissos vinculativos em áreas regulatórias). A questão é se a UE vai agir como regulador soberano ou como espectador.
O que pedimos é que:
1. a Comissão Europeia diga se vai exigir garantias específicas de que a reestruturação nos EUA não altera o comportamento algorítmico e os fluxos de dados que impactam utilizadores europeus.
2. Que seja exigida auditoria independente do algoritmo e da moderação, com acesso real para investigadores, e não “relatórios de relações públicas”.
3. Que se peça clarificação formal sobre quem detém e quem pode alterar os componentes críticos do sistema de recomendação (incluindo licenças/cópias e governança técnica).
Se este acordo foi desenhado para proteger os EUA – e é isso que está escrito nas entrelinhas – então a Europa tem de perguntar, sem medo: quem protege os europeus?
Enviada aos eurodeputados portuguese no Parlamento Europeu a 19.12.2025

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