No dia 15.07.2024 às 16:20 surgiu no feed RSS uma notícia com o título “Dois relatórios confirmam que as Filipinas têm destruído o ambiente ecológico do Mar do Sul da China” num estilo jornalístico normal (título e conteúdo) mas que, ao contrário de todos os outros artigos tinha a frase “conteúdo patrocinado“: https://ionline.sapo.pt/2024/07/15/dois-relatorios-confirmam-que-as-filipinas-tem-destruido-o-ambiente-ecologico-do-mar-do-sul-da-china/
A “notícia” surgia de permeio a outras notícias no jornal:
“TdC alerta para deficiências na implementação da revisão da despesa em Portugal”, “Trump escolhe JD Vance como candidato a vice-presidente” ou “André Ventura fala à saída do Conselho de Estado”.

O texto da “notícia” é o seguinte:
“As autoridades chinesas acabam de divulgar dois relatórios sobre o Mar do Sul da China. Um deles discorre sobre a investigação e a avaliação do ambiente ecológico das águas da Ilha de Huangyan; o outro foca a destruição do ecossistema nos recifes de coral, provocada pelo navio filipino que está encalhado, ilegalmente, no recife chinês de Ren’ai.
Com base em dados obtidos por satélite e através de pesquisas no local, a China descobriu que o navio militar filipino, que foi deliberada e ilicitamente encalhado há 25 anos (em 1999) no recife chinês de Ren’ai, danificou seriamente a diversidade, a estabilidade e a sustentabilidade do ecossistema de recifes de coral. Entre outros impactos, a área de cobertura de corais caiu significativamente naquela zona, sobretudo ao redor do navio filipino. Além disso, os resíduos produzidos pelos tripulantes do navio estão espalhados pela zona.
Em contraste, a fauna e a flora da Ilha de Huangyan, sob a proteção e supervisão da China, mostram um cenário pujante. De acordo com uma pesquisa realizada conjuntamente, nos passados meses de maio e junho, por vários departamentos e instituições profissionais, a qualidade da água do mar e os sedimentos marinhos naquele local são de primeira categoria, e as quantidades residuais de metais pesados, hidrocarbonetos de petróleo e outros poluentes nas amostras de peixes, estão todas abaixo dos limites-padrão de avaliação.
O resultado é um reflexo do trabalho chinês na proteção do ambiente marinho. O país implementou, por exemplo, uma proibição sazonal de pesca no Mar do Sul da China desde 1999, estabelecendo claramente períodos e zonas de pesca interditos, o que desempenhou um papel insubstituível e importante na manutenção do ambiente marinho na região. Além disso, realizou uma série de projetos de recuperação ecológica dos recifes de coral naquela área, abrangendo até agora, com êxito, aproximadamente 300 mil metros quadrados.
Segundo responsáveis chineses, “os aspectos de proteção ambiental marinha estão também ligados ao bem-estar humano, pelo que a questão do Mar do Sul da China não deve tornar-se uma ferramenta política para certos países promoverem o confronto geopolítico e perseguirem interesses egoístas”.

Submetemos este texto ao ChatGPT e este modelo de inteligência artificial concluiu que:
O texto apresenta alguns indícios que podem sugerir que foi traduzido de chinês para português. Aqui estão alguns pontos que levantam essa possibilidade:
1. **Estrutura e Fluidez do Texto**:
– A estrutura do texto é bastante formal e parece seguir um estilo de comunicação oficial, algo comum em traduções de documentos governamentais chineses.
2. **Escolha de Palavras e Construções Frasais**:
– Algumas construções frásicas podem soar incomuns ou pouco naturais para um falante nativo de português. Por exemplo, a frase “discorre sobre a investigação e a avaliação do ambiente ecológico” poderia ser mais direta em português natural, como “aborda a investigação e a avaliação do ambiente ecológico”.
3. **Termos Técnicos e Jargões**:
– O uso de termos técnicos e específicos como “dados obtidos por satélite”, “a diversidade, a estabilidade e a sustentabilidade do ecossistema de recifes de coral”, e “quantidades residuais de metais pesados” é típico de traduções de relatórios científicos ou governamentais.
4. **Formato e Estrutura de Informações**:
– A forma como os dados e as informações são apresentados, com um tom muito factual e detalhado, é característico de relatórios oficiais chineses que são traduzidos para outros idiomas para comunicar políticas e realizações do governo.
5. **Referências a Fontes e Citações**:
– A citação atribuída a “responsáveis chineses” no final do texto (“os aspectos de proteção ambiental marinha estão também ligados ao bem-estar humano, pelo que a questão do Mar do Sul da China não deve tornar-se uma ferramenta política para certos países promoverem o confronto geopolítico e perseguirem interesses egoístas”) possui um tom muito alinhado com a retórica oficial chinesa.
Esses aspectos, tomados em conjunto, sugerem que o texto pode ser uma tradução do chinês, provavelmente de um documento oficial ou comunicado de imprensa.”

https://chatgpt.com/share/9a95bb5a-73ed-4593-9c10-64da8d777420

Quem assumiu a autoria deste conteúdo não foi, contudo, o governo de Pequim mas um obscuro “centro de programas de línguas da europa e américa latina da china”

Procurando no Google o primeiro resultado é uma página do jornal Sol que agrega vários “conteúdos patrocinados”
https://sol.sapo.pt/topicos/centro-de-programas-de-linguas-da-europa-e-america-latina-da-china/
que têm em comum a autoria deste centro, serem – de facto – anúncios pagos e terem todos o aspecto de uma “notícia” e se seguirem a linha oficial (e estilo) da diplomacia chinesa tendo todos a frase “OFICINA SOL”
“Xi Jinping no Cazaquistão”
“China e União Europeia dialogam para resolver diferendos comerciais”
“Medidas contra carros elétricos chineses são impopulares e prejudicam a Europa”
“Xi Jinping publica artigo no ‘Le Figaro’ e reúne com Macron e Von der Leyen”
“Política externa da China explicada pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros. Com base na não-aliança, na não-confrontação e em não visar terceiros, a China e a Rússia esforçam-se por uma boa vizinhança e amizade duradouras e procuram aprofundar a sua coordenação estratégica abrangente, disse Wang.”
“Xi Jinping na sessão de abertura da Assembleia Popular Nacional”
“Contestação a relatório americano sobre práticas comerciais da China”
“Produtos chineses conquistam popularidade a nível mundial.
Desde o início deste ano, disparou o número de consumidores americanos que encomendaram triciclos eléctricos chineses nas plataformas de comércio eletrónico.”

O que e quem está por detrás do “Centro de Programas de Línguas da Europa e América Latina da China”?

A frase não ocorre numa pesquisa no registo português de empresas:
https://registo.justica.gov.pt/Empresas/Pesquisar-nomes-firmas-ou-denominacoes-existentes/Iniciar
O que indica que não existe nenhuma entidade com o nome.
Mas então quem financia estas “notícias”?

A mesma tag, além do Jornal Sol ocorre também num jornal regional português:
https://nortealentejo.pt/tag/centro-de-programas-de-linguas-da-europa-e-america-latina-da-china/
tendo em rodapé (com menor legibilidade do que faz o Sol/i) a informação “Publicidade: Centro de programas de línguas da Europa e América Latina da China”
Assim como noutros jornais regionais portugueses:
https://www.campeaoprovincias.pt/noticia/usar-a-china-como-desculpa-nao-concretizara-o-sonho-da-asia-pacifico-da-nato
https://diariodosul.pt/2024/07/15/china-oferece-novas-oportunidades-as-empresas-estrangeiras/
https://www.cidadetomar.pt/2024/07/15/publicidade-2/dois-relatorios-confirmam-que-as-filipinas-tem-destruido-o-ambiente-ecologico-do-mar-do-sul-da-china/
https://www.semanariofelgueiras.pt/2023/06/27/apesar-de-murmurios-politicos-china-e-europa-estreitam-cooperacao/ (apagado antes de 18.7.2024)
O que indicia tratar-se de uma operação em escala e altamente organizada de disseminação de conteúdo com aparência “jornalística” aproveitando a crise da imprensa e ao serviço dos interesses do Estado chinês.

Este “centro de programas de línguas da europa e américa latina da china” que financia estas notícias em jornais portugueses é, de facto, o https://portuguese.cri.cn um site em língua portuguesa mas residente num domínio na China continental (“.cn”) e local onde, primeiro, surgem os conteúdos que depois surgem repetidos no Sol/i, Norte Alentejo, Diário do Sul, Cidade de Tomar, Semanário de Felgueiras, entre outros que não foi ainda possível identificar.

O CRI AKA “centro de programas de línguas da europa e américa latina da china” em rodapé é descrito como “China Radio International.CRI. All Rights Reserved. 16A Shijingshan Road, Beijing, China. 100040” e o “sobre” admite tratar-se de um órgão noticioso controlado directamente pelo Estado chinês:
“Fundada no dia 3 de dezembro de 1941, a Rádio Internacional da China (CRI) é uma emissora estatal que transmite sua programação para todo o mundo, com o objetivo de apresentar a China ao mundo e vice-versa, assim como de aumentar a compreensão e a amizade entre os povos da China e de outros países.”

O domínio “cri.cn” foi registado pela https://www.whois.com/whois/cri.cn
https://www.cctv.com/ o site oficial da China Central Television (CCTV), a principal emissora de televisão estatal da China. Isto significa que a televisão estatal chinesa está a pagar anúncios com formato noticioso em vários jornais portugueses.

A difusão desses conteúdos em jornais portugueses, muitas vezes quase indistinguíveis de notícias legítimas, levanta questões legítimas sobre a transparência e a influência da diplomacia chinesa nos media internacionais e nacionais.

Estes artigos patrocinados, disfarçados de notícias, podem contradizer os estatutos editoriais dos jornais, que prometem independência e rigor jornalístico, induzindo os leitores a acreditar numa narrativa que serve aos interesses geopolíticos da China​ e colide com os de Portugal e da União Europeia.

Estas publicações patrocinadas, disfarçadas de notícias, devem ser claramente distintos dos artigos jornalísticos em forma e grafismo. Ao contrário dos artigos jornalísticos que obedecem a estatutos editoriais dos jornais, que prometem independência e rigor jornalístico, estas publicidades camufladas induzem propositadamente os leitores a acreditar na narrativa da entidade pagante, no caso, uma que serve os interesses geopolíticos da China que colidem directamente com os de Portugal e da União Europeia. Sobretudo não deviam ser publicados com a etiquete “conteúdo patrocinado” mas como “publicidade“.

Devemos – todos – colocar a questão se devíamos permitir que um país estrangeiro financie publicidade em órgãos de comunicação social?

Esta pergunta é importante e estratégica e não é de menor importância e deve ser enquadrada na contribuição que os Media – enquanto 4º poder – dão a uma democracia saudável e para se saber se deve ou não existir financiamento público desta actividade por forma a protegê-la da necessidade de aceitação de publicações pagas por regimes estrangeiros e, no caso da China, não democráticos.

Uma resposta a “Investigação Revela Campanha de Desinformação Chinesa em Jornais Portugueses”

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CITAÇÂO da SEMANA

“A essência da democracia participativa é a participação significativa na tomada de decisões e na formulação de políticas.”
Carole Pateman
“Participação e Teoria Democrática” (1970)