Sacos de Lixo na Rua: Uma história de Lisboa
extracção de 16.10.2024
https://docs.google.com/spreadsheets/d/1dJVjP6kRmBHr7Lc98-9-Wt_LKmo8kgszOINL-gJoluQ/edit?gid=1174119222#gid=1174119222

Lisboa está, hoje (2024) melhor ou pior no que respeita à Higiene Urbana? Para respondermos a esta questão de forma assertiva e objectiva e nos afastarmos das “percepções” e das proclamações “opinativas” temos que nos afastar de qualquer critério subjectivo e percepcionado e usamos aquilo que tantas vezes é desprezado que são os “dados”.

O ideal seria termos online um conjunto de dados abertos com as quantidades (em kg) de resíduos urbanos recolhidos, num dado período de tempo e em todos os locais de recolha porta-a-porta e nos pontos fixos por data. Mas procurando e embora saibamos que esses números são registados na CML a verdade é que estes números não são públicos (e deviam ser). Assim sendo iremos trabalhar na vertente da percepção pública que é determinada em grande medida pela quantidade de “sacos de lixo” abandonados nas esquinas e caldeiras de árvore da cidade e nos resíduos – por recolher – em torno dos ecopontos e ecoilhas da cidade. O primeiro é difícil de medir porque teria que haver um registo público e online dos locais recorrentes e da actividade de recolha desses resíduos por parte das juntas de freguesia (que têm esta competência específica). A segunda opção para fazer algo de objectivo e mensurável são então as ecoilhas enterradas e os ecopontos de superfície e os sacos e resíduos que surgem em seu redor.

O primeiro passo para responder de uma forma objectiva à questão “Em Lisboa, em 2024, a situação é pior do que o era no anterior mandato autárquico (2022)?” é visitarmos a plataforma de dados abertos da CML que existe, desde 2018, em https://lisboaaberta.cm-lisboa.pt/index.php/pt/dados/catalogo-de-dados-abertos. Mas, aqui, se filtrarmos os resultados por “ecoilha” ou “ecoilhas” não temos nenhum resultado. Por outro lado, se num motor de busca, procurarmos por “ecoilhas” encontramos
https://dados.cm-lisboa.pt/dataset/eco-ilhas que devolve por sua vez “Página Não Encontrada. Esta página pode ter sido movida ou eliminada” sendo que isto acontece a várias buscas semelhantes… Mas, com a ajuda do Reddit, acabámos por enconttrar um dataset funcional em https://geodados-cml.hub.arcgis.com/datasets/CML::amb-reciclagem-1/explore?layer=13.

Com este dataset fizemos uma extracção para
https://docs.google.com/spreadsheets/d/1dJVjP6kRmBHr7Lc98-9-Wt_LKmo8kgszOINL-gJoluQ/edit?usp=sharing

(acesso aberto) e, depois, começámos por aceder ao histórico do Google Street View em cada uma das moradas de ecoilhas/ecopontos e navegar nos anos em que o carro da Google passou (desde 2009) pelo local registando em cada um deles se existia (“1”) ou não (“0”) resíduos em redor. Se nesse ano (p.ex. 2011) o carro não passou pelo local então o valor ficou a nulo. Apurámos uma média dos anos com passagem do carro da Google e assim identificámos uma média de ocorrências desse tipo para o mandato actual (que começou em Outubro de 2021) e comparámos com a média dos mandatos de 2009 (o primeiro ano em que o carro da Google começou a percorrer Lisboa) a 2024.

Há locais onde – estranhamente – o carro da Google desde 2009 nunca passou ou não conseguiu entrar (p.ex. o interior do recinto do LNEC) e há locais onde em todos estes anos apenas passou uma vez ou nunca passou no actual mandato. Mas há dados suficientes para credibilizar esta amostra e para dar uma resposta objectiva se elaborarmos uma média de todos estes dados nos dois mandatos e apurarmos uma taxa que pode ser comparada entre os dois conjuntos (2009 a 2021) e (2022 a 2024). De sublinhar que, fortuitamente, o carro da Google anda por Lisboa este ano desde junho com fotografias em Agosto e até em Outubro (que ainda não estão publicadas).

Como método, começámos por usar o dataset e procurar pela “morada” no Google Maps, registámos o URL do local numa coluna no Google Spreadsheet em https://docs.google.com/spreadsheets/d/1dJVjP6kRmBHr7Lc98-9-Wt_LKmo8kgszOINL-gJoluQ/edit?gid=1174119222#gid=1174119222
p.ex.:
https://www.google.com/maps/@38.7703698,-9.1925996,3a,60.9y,196.26h,81.03t/data=!3m6!1e1!3m4!1s2Pdp1cUBPqRgWix8r5I5cA!2e0!7i16384!8i8192?coh=205409&entry=ttu&g_ep=EgoyMDI0MTAxNC4wIKXMDSoASAFQAw%3D%3D
e navegámos pelos anos em que o carro da Google por ali passou registando os dados “1” (sim: há resíduos em redor) ou “0” (não: não há resíduos em redor). Nos anos em que o carro não passou registámos um valor nulo (para não contar para a média) e tivemos em que conta que entre 2009 e 2024 algumas ecoilhas foram sendo instaladas registando a nulo os valores anteriores a essa instalação.

Só há uma forma moderna e objectiva de fazer política local e essa forma é fazer política, tomar decisões e fazer escolhas, com dados: actualizados, fiáveis e amplos. Infelizmente a promessa da plataforma de Dados Abertos da CML ficou por cumprir: dados essenciais, como a quantidade de recolhas por ecoilha/ecoponto, as toneladas recolhidas em cada um desses locais, ao longo do tempo, a quantidade de anomalias e ecoilhas/ecopontos cheios quando os carros lá passaram, assim como a disponibilidade dos serviços em recursos humanos (baixas e reformas) não estão disponíveis.

Análise de Dados:

A presença de resíduos ou sacos de lixo em torno das ecoilhas podem ser produto de falta de civismo, é certo, mas muitas vezes isto sucede porque os cidadãos já têm a certeza de que o contentor está cheio e que não compensa o esforço de que o esforço de abrir a tampa do contentor não compensa: é um erro mas nasce de lacunas de desempenho por parte dos serviços autárquicos. O mesmo se pode dizer dos serviços de higiene urbana das juntas de freguesia que – em tese – têm a competência de recolher o lixo em torno das ecoilhas e ecopontos: também acabam por entrar em níveis de mau desempenho e em sobrecarga porque simplesmente são incapazes de lidar com o aumento de procura dos seus serviços.

Por Freguesia:
Não há dados suficientes para uma leitura precisa de todas as freguesia de Lisboa.
Com os dos de “1” (em que 1 significa “resíduos em torno de ecopontos”)
(a quantidade é um índice que soma todos os ecopontos (média) encontrados com resíduos em torno)
As freguesias que mais pioraram desde 2022 foram:
Penha de França 53.3
Lumiar 40.8
S. Domingos de Benfica 33.1
Marvila 28.4
Ajuda 18.1
C.Ourique 21.1
Alcântara 10.1
Santa Clara 10.8
As freguesias que melhoraram desde 2022:
Carnide 440.0
Olivais 364.6
Campolide 40.7
Benfica 12.1
Sendo que estes números são distorcidos pela instalação de novos ecopontos (40 novos ecopontos apenas entre 2022 e 2024).

Análise dos Dados Apresentados:
Os dados fornecem uma visão objectiva sobre a gestão de resíduos em ecoilhas/ecopontos de superfície em Lisboa ao longo dos anos (desde 2009) em que a Google recolhe imagens nas ruas em Lisboa.
Infelizmente isto não aconteceu em todos os anos: P. ex. em 2017, 2016, 2013 e 2012 não há imagens capturadas o que reduz a qualidade dos dados.
Num total foram analisados 655 locais de ecopontos extraídos da plataforma de Dados Abertos da CML.

Com estes dados e para comprovar ou negar a tese “Lisboa está pior” separámos os dados obtidos em duas séries separadas por 2022 o ano em que o Executivo liderado por Carlos Moedas tomou posse.

Pontos Chave dos Dados:
1. Total de Datapoints

– Cada Datapoint é um local visitado pelo Google Maps Street View num ano em que existia um ecoponto
– A contagem 2220 datapoints reflectem um conjunto amplo de observações, permitindo uma análise robusta.

2. Problemas de Resíduos (Sacos ou Lixo Junto a Ecoilhas)
– A média reflecte a probabilidade de um ecoponto está rodeado de resíduos em que 0 é o mínimo (probabilidade 0) e 1 o máximo (probabilidade total de estar rodeado de resíduos).
– Média Geral com Carlos Moedas (2022-2024): 0.58
– Média Geral Antes de Carlos Moedas (2009-2021): 0.46

– Regista-se um aumento nos problemas registados com Carlos Moedas, sugerindo uma degradação da situação durante seu mandato: piorou exactamente 26.09%.

3. Piores Anos
– Os anos mais críticos, baseados na métrica apresentada foram:
– 2024: 148
– 2022: 123
– 2020: 167
– 2013: 214 (o pior de todos os anos analisados)
– 2019 (151) e 2009 (112) também apresentam números elevados
.

4. Percentagem de “1” (Casos de Lixo Visível)
– 2022-2024:
– 61.9% (média mais elevada de todos os anos).
– 2009-2021:
– Variações maiores, mas geralmente mais baixas:
– Picos em 2023 (48.1%) e 2022 (48.22%) e 2020 (50.9%)

5. Novos Ecopontos Instalados
– O número de novos ecopontos instalados por ano mostra uma tendência decrescente:
– 2024: 19 novos pontos.
– 2023: Apenas 1 (mas há menos datapoints pelo que alguns dos 19 de 2024 podem ter sido instalados em 2023).
– Antes de 2022, números mais elevados (ex.: 31 em 2014, 17 em 2019 e 13 em 2020).

Interpretação dos Dados:
1. Aumento nos Problemas Durante o Mandato de Carlos Moedas
– A média de problemas (0.58) aumentou em comparação com os Executivos anteriors (0.46). Isso pode ser o produto de:
– Aumento na pressão sobre o sistema existente: População crescente (imigração, nómadas digitais e alojamento local) ou uso mais intenso dos ecopontos em virtude da degradação do serviço porta-a-porta.
– Gestão menos eficiente: Factores como a menor frequência da recolha de resíduos, uma perda de eficiência das Juntas de Freguesia (que têm a competência específica) ou uma manutenção insuficiente dos ecopontos podem ter contribuído para esta degradação de serviço.
– Falhas na expansão: Apesar da instalação de alguns ecopontos, o ritmo não foi suficiente para acompanhar o aumento da procura.

2. Anos Críticos Persistem:
– Alguns anos, como 2023 e 2024, mostram altas concentrações de problemas, mesmo com poucas instalações de novos ecopontos.
– 2023, com apenas 1 novo ecoponto, teve um dos piores índices (148).
– 2024, apesar dos seus 19 novos pontos, ainda apresenta valores elevados.

3. Expansão de Ecopontos Não Proporcional
– A redução no número de novos ecopontos instalados pode estar a agravar o problema:
– Durante anos de maior expansão (ex.: 2014 e 2019), os índices não foram tão críticos, sugerindo que mais pontos ajudaram a distribuir melhor os resíduos.

Propostas:
1. Identificar os factores
que levaram ao aumento de problemas nos últimos anos e corrigir falhas operacionais.
2. Aumentar a instalação de ecopontos para acompanhar a procura por parte da população (especialmente nas freguesias que registaram maior crescimento demográfico) e evitar concentrações excessivas de resíduos em pontos existentes.
3. Educação da população sobre o uso correto de ecopontos e promover a reciclagem como forma de reduzir o descarte inadequado de resíduos.
4. Devia ser prioridade absoluta separar os bioresíduos nos nossos caixotes do lixo e processá-los para reutilização na agricultura como compostagem e na produção de biogás.
5. Repensar a recolha porta a porta em Lisboa. Indo buscar, por exemplo, embalagens para a casa das pessoas que não se podem deslocar até aos ecopontos. A rede de ecopontos de Lisboa precisa de ser expandida e permitir a adição deste tipo se resíduos e penalizar efectivamente que coloca sistemática resíduos à porta ou nos contentores indiferenciados: Actualmente as Juntas de Freguesia limitam-se a recolher estes resíduos (os quais, quase sempre, aparecem exactamente nos mesmos locais há décadas) e não desencadeiam nenhum processo de contra-ordenação nem encaminhamento para a Polícia Municipal. Igualmente, para aumentar as taxas de reciclagem há que implementar separação onde ela – de todo – não existe: ao nível das papeleiras.
6. Portugal é um dos maiores consumidores mundiais de bebidas em garrafas de vidro colocando por ano mais de 400 mil toneladas de vidro, das quais apenas metade são recuperadas. A despesa em matéria-prima importada é absurda e indica uma tremenda ineficiência do sistema. É preciso recuperar os sistemas de recuperação de taras que já funcionaram no passado e focar no consumo de vidro em espaços comerciais onde se realizam as maiores perdas redesenhando a rede de ecopontos e impondo coimas aos incumpridores sistemáticos.
7. É igualmente preciso digitalizar a recolha de resíduos, promover a separação de resíduos biodegradáveis nas habitações particulares e incorporar alguma gamificação e processos de recompensa e que apresenta, com transparência, o pode cada um de nós fazer para poupar e ajudar o ambiente com cada pequeno gesto. Por fim, é preciso criar um sistema integrado de gestão, totalmente informatizado, transparente e com dados abertos que permita aos cidadãos e que inclua dados de todos os municípios portugueses criando uma visão integrada e em tempo real de toda a situação.

Respostas de 3 a “Sacos de Lixo na Rua: Uma história de Lisboa (2009-2024)”

  1. Avatar de Manuel S.
    Manuel S.

    O principio deste estudo parece interessante mas carece de rigor. em primeiro lugar, nao sabemos a que horas foram tiradas as fotos, pelo que em alguns anos podem sido antes da hora de remoção e outros depois. Em segundo lugar, a foto de determinado ano não pode ser representativa dos 635 dias do ano. Em terceiro lugar, o Google não apresenta foros de todos os anos, havendo ” saltos” de vários anos.. Quanto as conclusões, a questão não se resolve com a colocação de mais ecopontos, sobretudo em areas com recolha seletiva porta a porta, onde a colocação de ecoilhas subterrâneas veio destruir o sistema porta a porta, com o abandono deste tipo de solução, assoberbando as ecoilhas que são manifestamente insuficientes para cobrir a população e onde frequentemente o espaço público não tem capacidade de colocar mais ecopontos, a não ser nos poucos lugares de estacionamento, nos passeios em frente às portas do edifícios, etc. Por fim, não me parece que haja pior serviço, mas sim falhas de serviço que sempre existiram e que continuam na mesma. Para mim a solução é tomarem se decisões de caráter técnico e não virem sempre com decisões tomadas por assessores que em cada ciclo de governação acham que os funcionários públicos são estúpidos e que eles sim é que sabem. E talvez tornar este serviço com um tipo de gestão mais; empresarial

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    1. Avatar de Rui Martins
      Rui Martins

      é sempre possível melhor… mas neste caso só seria possível com a publicação destes dados na plataforma de dados abertos da CML: há alguma coisa, nomeadamente os percursos mas nada de quantidades recolhidas nem de visão historica

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